Para não enlouquecer

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A vergonha de sentir inveja de quem se ama

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Torresmo
mai 29, 2025
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A vergonha de sentir inveja de quem se ama
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I. O mito da pureza afetiva: amar sem invejar é possível?

A cultura sentimental dominante nos ensinou que amar é desejar o bem do outro. Que invejar é sintoma de caráter duvidoso. E que, se sentimos inveja de alguém, sobretudo de alguém que amamos, há algo de corrompido em nós. Essa narrativa, além de moralista, é estruturalmente mentirosa.

O afeto não é puro. Toda relação verdadeira é atravessada por ambivalência, inclusive a mais incômoda: desejar e odiar, admirar e querer o lugar do outro, amar e, ao mesmo tempo, ressentir-se daquilo que no outro floresce enquanto em nós ainda murcha.

Sentir inveja de quem se ama é mais comum — e mais humano — do que se costuma admitir. Mas o que torna essa experiência especialmente dolorosa é a vergonha que ela carrega: a vergonha de ser atravessado por algo tão feio, tão não evoluído, justamente em relação a alguém por quem se deveria sentir apenas alegria, apoio, orgulho.

Essa vergonha não é casual: ela revela a presença de um ideal narcísico de si — o eu maduro, generoso, incondicional — que não suporta ser manchado pela emoção “baixa” da inveja. O sujeito não sofre só porque sente inveja, mas porque esse sentimento destrói sua autoimagem de bondade.

II. A inveja como afeto estrutural: entre a admiração e o recalque

A inveja, no sentido psicanalítico, não é só o desejo de ter o que o outro tem — mas a dor narcísica de se ver diminuído pelo brilho do outro. Klein apontava que, desde os estágios mais primitivos, o sujeito pode desejar não apenas o que o outro possui, mas que o outro não possua. E é justamente esse aspecto destrutivo — essa pulsão de negação — que torna a inveja tão difícil de ser admitida.

Mas ao contrário da caricatura moral, a inveja não precisa ser ressentida como crime interior. Ela pode ser tomada como um índice legítimo de dor psíquica: o reconhecimento de um desejo frustrado, de uma ferida narcísica, de uma sensação de injustiça vivida intimamente. Quando se sente inveja de quem se ama, é como se o amor próprio não estivesse conseguindo se sustentar diante do sucesso, do reconhecimento, da leveza ou da liberdade do outro.

É o amor que escancara a dor: justamente por amar, e por desejar proximidade, o sujeito se vê atravessado pela comparação. O sucesso do outro vira espelho do próprio fracasso. A felicidade alheia não se converte em alegria, mas em melancolia silenciosa. E aí vem a vergonha: como posso amar e, ao mesmo tempo, sofrer com o bem do outro?

III. O que essa vergonha revela: o eu ideal ferido pela comparação íntima

A vergonha de sentir inveja aponta para um aspecto importante: o sujeito, ao invejar, não está apenas em relação com o outro, mas consigo mesmo — com sua autoimagem, com suas expectativas frustradas, com sua percepção de insuficiência. A inveja dói não só porque o outro tem algo que falta, mas porque isso faz com que o sujeito se sinta menor, invisível, desimportante, ultrapassado.

A vergonha aparece como defesa: impede que o sujeito acolha sua própria dor com legitimidade. Ao invés disso, ele tenta suprimir o sentimento, mascará-lo com elogios forçados, ou então se afasta em silêncio. Mas o afastamento não resolve: apenas isola.

A verdade incômoda é que a inveja só se dissolve quando é escutada — não moralizada. Só ao nomear o que dói, ao reconhecer o desejo não realizado, o medo de estar ficando para trás, a sensação de não ter sido visto, é que o sujeito pode reconstituir sua dignidade sem negar a potência do outro.

IV. Como atravessar a inveja sem se envergonhar de sentir

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